__________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________

Em cada um de nós existe um poema .
Um por escrever ... um escrito que se quer procurado e se mantêm escondido na alma ... no coração.

Ser poeta ... não é escrever poemas.

É saber descobrir na poesia ... a parte que falta em si, a parte que falta ... nos outros .

Urbano Gonçalo




segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Plush


Onde vais ... amanhã ?
Onde me procurarás ... em vão ?!!
Em ti ?
Não ?!!

Onde vivem os teus sonhos ?
Esses tão grandes ... medonhos !
Em que parte de ti me guardas ?
Em que parte de ti ... eu me vi ?!!

Que sentiram as tuas mãos ao me tocar ?
Que insano mundo me deste a desfrutar ?!!
Qual dos teus sorrisos ... foi o verdadeiro ?
Qual o beijo ... da verdade ?!!

Que é de ti ?
Que é ... de mim ?!!!!





sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Fly From The Inside


Saída de dentro de nós
por vezes uma qualquer simples revolta se pode tornar ... atroz.
Como um pássaro que se perdeu ...
a nossa vontade também se sente por vezes
só, indefesa, sujeita ao mundo opressivo exterior

Vagueia então em nós ausente
escolhe um sítio escuro ... porque pressente que
o dito omnipresente, está mais uma vez também ele  ... ausente

Os pensamentos precisam de se libertar, do medo
de o fazer
Os sentimentos ... precisam de se conformar ou ... confrontar os seus limites

A vida prossegue lá fora
porque não ... cá dentro?!!

Precisa de voar esse pássaro
precisa de sair do seu cómodo canto escuro
precisa de derrubar, também ele o seu "muro" da vergonha, precisa
de parar de viver na sombra dos seus ... erros

Precisa ... preciso ... precisámos de abrir as portas a coração e mente, precisámos de deixar o que de bom em nós existe, voar desde o nosso interior para o céu azul, em direção à vida, em direção ... ao amor.

Que cada um o faça!
Seja com uma dose de adrenalina, seja com uma música calma ou bastante acelerada, seja com um quadro, um livro ou até mesmo ... com um grito!!
Mas ... que o faça!!!!





segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O espírito da paz


Águas paradas
Claro luar
um quase nada
muito melhor

Nesta viagem que comecei
grave miragem a mim chamei

Se foi meu destino
contar uma história tão breve
é longo o caminho
mas a alma quer

Se foi meu destino
Cantar com uma voz que me chora
é longo o caminho
mas a alma adora



Do recital " O espírito da Paz " - Madredeus.



domingo, 17 de novembro de 2013

Breaking Inside


Nem mais um dia assim ...
Nem mais um dia, com algo por fazer a respeito de ...
Nem mais um dia ... se servirão de mim.

Não viverei mais assim ... aqui perto, mas ...
tão longe de mim.
Não me usarão mais.
Não me roubarão mais os sentimentos, não mais os usurparão.

Não viverei mais assim ...
não com esta estranha sensação, de ter algo partido cá dentro.
Não desperdiçarei nem mais um dia ...
Não mais deixarei para trás ... pedaços de mim.

Não darei mais a outra face ...
Não estenderei mais a mão ... a uma visão ...
a uma ... hipótese.

Serei forte ...
Mostrarei a quem o merece ... como se faz!
E ... não olharei mais ... para trás!



domingo, 3 de novembro de 2013

Wish You Were Here





Palavras ... para quê?!!
Um filme por demais interessante ... por demais intrigante!!
Já andei de mochila às costas ... assim liberto, hoje estou "numb" ...
e nunca mais desperto, por certo!
No entanto ... a minha mente libertou-se aí da escravidão, da escravidão, que os olhos oferecem ... à alma.
Apesar de tudo ... contra tudo ... continuo de mochila às costas.
Sempre ... o farei!!



sexta-feira, 25 de outubro de 2013

sábado, 19 de outubro de 2013

Primary colors ...


Mais um dos meus quadros.
Cores primárias, técnica mista,
(pasta de massa gesso, óleo, guache).


                                      Primary colors


                                     Óleo, gesso e acrilico sobre tela.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Supostamente ...

                                                                                                        
Supostamente, reconhecemos as alegrias da vida,
supostamente ...

Supostamente ... reconhecemos o amor,
e ... ignoramos-lhe a dor, ao perseguir o sonho ... com fervor.

Supostamente reconhecemos o que vemos, até que
deliberadamente o perdemos ...
o abandonamos ao seu incerto destino.

O dele ... ou o nosso?!!
 
Supostamente abrimos o nosso sorriso à alegria ... ao amor.
Supostamente o amor retribuiria ...
supostamente.

Supostamente a cada dia há um nascer do sol, com
um não menos suposto ... pôr-do-sol.
Sim!
Mas isso apenas significa, mais um dia de vida gasto.
Bom ... mau ... mais ou menos ...
o certo é que o dia ...

Supostamente a vida, ou ... este viver, faz um qualquer sentido, mesmo sendo
uma estrada de um só sentido.

Com o percorrer dessa estrada, apercebemo-nos de que qualquer consequência ... é obsoleta e inconsequente, mesmo que façamos marcha à ré (e fazemos muitas vezes!) o fim esse ... é sempre o mesmo ... invariavelmente.

Supostamente, vestimos várias roupas!
Supostamente ... mas, elas taparão mais do que a simplicidade
do nosso corpo nu?
Nada mais falso!
Nada mais falso!

O que nos cobre verdadeiramente o corpo, a alma, o coração, é todo um sem numero de experiências de vida.
Uma ruga será isso mesmo?
Umas mãos calejadas serão isso mesmo?
O que nos ensina verdadeiramente ... a vida?!!







Supostamente ... tudo!

Objetivamente ... NADA!!!

Decididamente ... NADA
...  apesar de tudo!






domingo, 29 de setembro de 2013

Creep ...




Metade ... eu diria
Mas ... não sei se é verdade
Arrasto comigo, pensamentos ...
afogo na chuva de Outono ... emoções

Como esta pele de galinha que o frio oferece,
como o sono que a noite trás ... e leva
Alcatraz ... poderemos ser
A lua ... poderemos ver, mas ... ter?!!

Sou apenas metade do homem ...
que poderia ser, que ...
quereria, deveria ser, eu sei-o agora ...

Porque ... os outros assim o ditaram
ao mo dizer, com o seu silêncio ...
porque os seus olhos ...
refletiram as suas mágoas, tristezas, limites ...
e medos,  nos meus ...
apenas isso

E os dias prosseguem ...
e os dias ... esgotam-se
levam com eles as noites ...
levam com eles ... tudo de mim


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Never Again


Nunca mais.

Nunca mais ... o silêncio mordaz ...
o consentimento informe
Nunca mais ao pôr-do-sol
os resquícios ... de ti

Nunca mais ...
te ouvirei ... me ouvirás ... me verás

Já não és a flor ... amor
és espinho na rosa, és ... dor ...
prefácio incompleto ...
feto sem ... afeto

És recôndito de memória ...
és final em romance barato ...
onde autor em desespero de imaginação, lembra o teu nome ...
e na raiva  do momento, escreve assim ...
FIM.






sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sirens ...





Ruas fora ...
noite dentro, sigo imune aos meus pensamentos.
Ouvindo apenas ao longe, as sirenes e o seu lamento ...
ouço em mim ... o mesmo lamento, e sei que ... a qualquer momento,
perco-me de mim ...

Sufoco as lágrimas que vagueiam nos meus olhos,
depois ... desoladas abandonam-nos em desprezo.

Lembro vagamente ter sido alguém, ter querido ser alguém, mas ...
no fim ... a criança, o rapaz, a esperança e ... tantos sonhos, tantos sonhos ...
ficaram algures ... pelo caminho.

As sirenes ao longe ... sinto-as tão perto de mim, tão perto da minha alma, do meu coração ... quase as sinto nas minhas mãos.
Tudo em vão ...
sempre um ... senão, sempre ...
a obrigação ...
a premeditação que trava a vida, que a ... mata.

Na verdade ... o som das sirenes vive em mim desde sempre.
Ecoa bem cá dentro ...
bem cá no fundo ... do meu mundo.
Tento esquecê-lo, quero esquecê-lo, amordaçá-lo mas ...

Porque temos sempre outro alguém em nós?!!
Porque tem sempre ele de ser o "pior" de nós ...
porque é ele o mal que não soubemos enterrar ...
que não conseguimos ...

Porque tem ele de nos prender às memórias, aos demónios subconscientes, porque teima ele em nos amordaçar ... sufocar?!!!

Ouço as sirenes ...
sei que ... são para mim.

Este caminho ilusório de todos os dias, não é uma estrada normal de dois sentidos.
É antes uma espécie de ... corredor, com altas paredes laterais, que me "aconchegam" e apertam pelo caminho fechando-se atrás de mim.
Abrem-me e fecham-me portas, mas nunca, nunca me deixam lá entrar ...
apenas me empurram para a frente ... sempre para a frente, livre de opções.

Não quero mais seguir ...
não quero mais ... o que sei ...
não quero mais sentir, ouvir ... as sirenes.
Elas que se calem ... que parem de me perseguir.
Elas ... que se calem ... que se calem.


domingo, 15 de setembro de 2013

Femme ...


                                     Femme Fatale


 
Lápis sobre papel
 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Burden In My Hand






Imensa ...
árida ...
ardem-me as mãos ...
por te tocar ...
por te ter ... tocado
Desilusão ... triste fado

Complacente paixão ...
veneno ...
de escorpião
Vento seco ardente ...
Sol delirante que em mim ...
mata a vertigem ... de ti

O fogo não te consome ...
é chuva no molhado ...
caricatura de sombra num telhado ...
o vento ... é desalento

Tudo foi apenas ...
o momento ...
lamento ...

Na cabeça, uns já parcos ...
pensamentos
No coração ...
uns já parcos ... sentimentos

Promessa de árido ... infértil coração
Que se perca tudo então ...
que morra a vil ... recordação
A vil mentira ... que tu és

Pérfida obsessão ...
solidão ...
solidão ... enfim ...
solidão




domingo, 1 de setembro de 2013

I´M BACK ...



                                   Metamorfose


                                     Óleo sobre tela

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

How You Remind Me





Não lamentes ...

Eu ... já não o faço
Se algo se perdeu ...
Se as lágrimas caem ...
Se as noites são vãs ...
Se os dias se perdem a cada manhã ...

Não lamentes ...
As palavras que não saíram ... da tua boca
O teu olhar ausente ...
O gesto ... que se queria, desejava

Não lamentes ...
Os poemas que te escrevi ...
Que me ... prometeste

A flor que me deste outrora ... subsiste em mim
Fiel ... às nossas promessas de amor
Subsiste, persiste ... nesse amor, pois envelhece imaculada

Não lamentes ...
Os beijos que trocamos ...
As carícias que trocamos ...
Os mimos que te fiz ...

Não lamentes ...
Não lamentes ... não mates tudo isso

Estende apenas a tua mão, empurra o vácuo do teu orgulhoso silêncio
Cujo delicado som é ... veneno, é ... desespero , angústia que te fere ... de morte
Renega à teimosia por favor ...
À tua teimosia de ... mulher 

                
 

sábado, 3 de agosto de 2013

Fix You





LET ME ...
Silence ... is not the better way ...
Only love can do it ...

Please ... let me do it for you !

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Pretty Noose ...


Estás tão longe ...
Olhas de relance ao entrar no bar, mas ...
o teu olhar cruzou o meu e ... não foi preciso mais falar.
A outra ponta do balcão ... o sem número de homens entre nós ...
Foges da alcateia, vens em direção a mim, sentas-te pegas na minha bebida ...
sorris por fim, sem sequer me olhar
És dona de mim, tu sabes ... tu sabes ...
Bebes um gole, levantas-te e a tua mão percorre o meu braço, até ao meu rosto ...
A tua boca segreda-me ao ouvido - Vem cá!
Sais sem olhar para trás ... sigo-te autómato, vejo-te entrar no carro ...
deixas a porta entreaberta ...
Entro ... sigo esses teus olhos que iluminam toda a parca escuridão ...
que se pretende





Esse teu corpo desejo ...
Que eu ensejo, voraz, sequioso ...
És o meu mar, o meu barco de brincar ...
És mar calmo ... tempestade ...
És luar ... sereia encantada ...
És fogo que me consome ...
cidade que nunca dorme ... sozinha
O desejo percorre os nossos corpos como corrente eléctrica ...
no fim todo o nosso corpo fica dormente ...
Dormes por fim no meu colo ... bela ... sensual ... calma
Levo-te com cuidado, e entrego na nossa cama ... a mulher que amo,
a mulher que me foge, me sabe ... encontrar, me leva ...
me faz seu ... sempre que quer
Essa é desde há muito ... a minha mulher.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Fell On Black Days


Esta escuridão que se prolonga ...
exulta ... e se recebe de braços abertos
Dias de negro ... noites de, e ... em branco
Dias de perdição ... noites em paixão ... luxúria
Nos olhos dos outros cegos ... procuro-te
nas portas que se me abrem ...
que se me ... fecham, procuro-me
Amor ...
Desassossego ...
Paixão ...
Perdição ...
Maldição ... maldição
Procuro-te em ruas de escuridão
Fúteis ... reles ...
Lá ... onde me namoras
me ... exploras
O final de cada noite de solidão ...
o final dos meus dias ... desejo
A minha saga por ti ... morre em dúvidas vãs,
morre em ... desejo, morre em tudo o que me é ... sagrado
Em tudo o que tão egoístamente, me foi negado ...
roubado ...
Sinto de volta os dias negros ...
sinto na boca o sabor da saliva ... de alguém violado ...
profanado ...
Sinto-os ... de volta







sexta-feira, 19 de julho de 2013

Savin' Me


Como se saídos de mim ... mil ventos,
mil marés e luas, se desvanecem ... em parca nudez.
O preço da vida ...
A imensidão de um olhar que vagueia ... nos outros,
que vagueia por um mar, onde desagua o desprezo.
Finjo-me seguro ... sinto-me ... preso!
A beleza de um gesto fugaz,
um ténue silêncio que ... apraz,
palavras lidas e ... relidas nesse silêncio,
vidas ... vividas nesse silêncio,
tudo ... nada,
nada, mas ... tudo.
E o mundo, não se refaz ...
Esta angustia, que não ... me desfaz,
mas ... porquê?!!




sábado, 6 de julho de 2013

A vida em ti ...


A vida em ti vagueia
Calma aparente ... supostamente indiferente ao que te rodeia, supostamente indiferente ... ao amor
Na tua caixa de Pandora, guardas ciosamente o que te feriu ... te fere
Adornaste-a para te agradar ... fechaste-a a um canto, não a deixas ... falar,
porque se calhar ...
A vida em ti ... por ti ... vagueia
Corres o mundo qual criança alegre e ... insatisfeita por demais, mas ...
mala e barriga cheia ... não te premeia
Fuga ... ilusão de famoso ilusionista ... quiçá ?!!
Voltas e ... à tua volta, tudo volta
Sempre um desagrado, sempre ... o fardo
Em toda a mentira, se esconde uma verdade por dizer ...
um gesto por fazer
Os teus olhos, conhecem a verdade que não aceitas
Sabem qual é ... sabem onde está escondida
Os teus olhos sorriem à socapa de ti ... quando me vêem, quando me vês ... de toda a vez
A vida em ti ... vagueia
Todo um mundo pode te acolher ... mas não evitarás mais ... sofrer
A vida em ti ... está morta, ou quer ... morrer
Deixa-a ... ela voltará a renascer, e os teus olhos, ahhh ... os teus olhos cor de amêndoa, ver-me-ão então vida, far-te-ão Julieta para mim ... por fim
Saberás então, que a felicidade estava aqui tão perto, estava à distancia de um ... crer ... à distancia de um ... querer.






domingo, 30 de junho de 2013

Novo romance ... IV


- Sabes ... tu ocupas o meu pensamento, todo o dia!
 Quando estou contigo, recupero-me onde me perdi, mas ... não sei o que fazer, se por um lado quero afastar-me, por outro não me imagino mais ... longe de ti!
A minha vida ... teve tantos desgostos, tantas desilusões ...
Interrompi-a, não podia mais, vê-la tão triste.
- Pensa na tua vida, como se ela começa-se agora!
Pensa na tua vida, a chegar de mim! Deixa que o passado parta e ... lá fique!
Pensa em ti, na tua felicidade!
O que queres ... o que mereces, o que ainda podes ter ... o que ainda podemos ter!




segunda-feira, 24 de junho de 2013

Miura


 Miguel Torga, foi um dos meus companheiros de tempos livres na escola.
Autor consagrado, autor de uma escrita muito especial, quase diria surreal.
Tal como outros grandes autores da época (Camilo Castelo Branco, etc), teve nas paisagens rurais a inspiração necessária às suas histórias. Cada personagem nasce ... aparece do nada, aparece sob a forma mais ousada ou ... mais banal, seja homem, planta ou mesmo animal.
Deixo aqui uma dessas histórias (livro "Os Bichos"), pois retrata uma tradição Ibérica chamada ... tourada.
 Já aqui disse que sou contra tal tradição, por isso deixo as "letras" do Miguel Torga, mostrarem o seu ponto de vista, ponto de vista que confesso é uma maneira curiosa de abordar tal tradição, dignificando merecidamente ... o animal.


Miura.

Fez um esforço. Embora ardesse numa chama de fúria, tentou refrear os nervos e medir com a calma possivel a situação.
Estava, pois, encurralado, impedido de dar um passo, à espera de que lhe chegasse a vez! Um ser livre e natural, um toiro nado e criado na lezíria ribatejana, de gaiola como um passarinho, condenado a divertir a multidão.
Irreprimivel, uma onda de calor tapou-lhe o entendimento por um segundo.
O corpo, inchado de raiva, empurrou as paredes do cúbiculo, num desespero de Sansão.
Nada. Os muros eram resistentes, à prova de quanta força e quanta justa indignação pudesse haver. Os homens, só assim; ou montados em cavalos velozes e defendidos por arame farpado, ou com sebes de cimento armado entre eles e a razão dos mais ...
Palmas e música lá fora. O Malhado dava gozo às senhorias ...
Um frémito de revolta arrepiou-lhe o pêlo. Dali a nada, ele. Ele, Miura, o rei da campina.
A multidão calou-se. Começou a ouvir-se, sedante, nostálgico, o som grosso e pacífico das chocas.
A planície! ... O descampado infinito, loiro de sol e trigo ... O ilimitado redil das noites luarentas, com bocas mudas, limpas, a ruminar o tempo ... A fornalha escaldante, sedenta, desesperante, que o estrídulo das cegarregas levava ao rubro.
Novamente silêncio. Depois, ao lado, passos incertos de quem entra vencido e humilhado no primeiro buraco ...
Refrescou as ventas com a língua húmida e tentou regressar ao paraíso perdido.
A planície ...
Um som fino de corneta.
Estremeceu. Seria agora? Teria chegado, enfim, a sua vez?
Não chegara. Foi a porta da esquerda que se abriu, e o rugido soturno que veio a seguir era do Bronco.
Sem querer, cresceu outra vez quanto pôde para as paredes estreitas do cárcere.
Mas a indignação e os músculos deram em pedra fria.
A planície ... O bebedoiro da Terra-Velha, fresco, com água limpa a espelhar os olhos ...
Assobios.
O Bronco não fazia bem o papel ...
Um toque estranho, triste, calou a praça e rarefez o curro.
Rápida e vaga. a sombra do companheiro passou-lhe pela vista turva. Apertou-se-lhe o coração. Que seria?
Palmas, música, gritos.
Um largo espaço assim, com o mundo inteiro a vibrar para além da prisão. Algum tempo depois, novamente o silêncio e novamente as notas lúgrubes do clarim.
Todo inteiro a escutar o dobre a finados, abrasado de não sabia que lume, Miura tentava em vão encontrar no instinto confuso o destino do amigo.
Subitamente, abriu-se-lhe sobre o dorso um alçapão, e uma ferroada fina, funda, entrou-lhe, na carne viva. Cerrou os dentes, e arqueou-se, num ímpeto.
Desgraçadamente, não podia nada. O senhor homem sabia bem quando e como as fazia. Mas por que razão o espetava daquela maneira?
Três pancadas secas na porta, um rumor de tranca que cede, uma fresta que se alargou, deram-lhe num relance a explicação do enigma da agressão; chegara a sua vez.
Nova picada no lombo.
- Miura! Cornudo!
Dum salto todo muscular, quase de voo, estava na arena.
Pronto!
A tremer como varas verdes, de cólera e de angústia, olhou à volta. Um tapume redondo e, do lado de lá, gente, gente, sem acabar.
Com a pata nervosa escarvou a areia do chão. Um calor de bosta macia correu-lhe pelo rego do servidoiro. Urinou sem querer.
Gritos da multidão.
Que papel ia representar? Que se pedia do seu ódio?
Hesitante, um tipo magro, doirado, entrou no redondel.
Olhou-o a frio. Que força traria no rosto mirrado, nas mãos amarelas, para se atrever assim a transpor a barreira?
A figura franzina avançou.
Admirado, Miura olhava aquela fragilidade de dois pés. Olhava-a sem pestanejar, olímpica e ansiosamente.
Com ar de quem joga a vida, o manequim de lantejoulas caminhava sempre. E, quando Miura o tinha já à distância dum arranco, e ainda sem compreender olhava um tal heroísmo, enfatuadamente, o outro bateu o pé no chão e gritou:
- Eh! boi! Eh! boi!
A multidão dava palmas.
- Eh! boi! Eh! boi!
Tinha de ser. Já que desejavam tão ardentemente o fruto da sua fúria, ei-lo.
Mas o homem que visou, que atacou de frente, cheio de lealdade, inesperadamente transfigurou-se na confusão de uma nuvem vermelha, onde o ímpeto das hastes aguçadas se quebrou desiludido.
Cego daquele ludíbrio, tornou a avançar.
E foi uma torrente de energia ofendida que se pôs em movimento.
Infelizmente, o fantasma, que aparecia e desaparecia no mesmo instante, escondera-se covardemente de novo atrás da mancha atordoadora. Os cornos ávidos, angustiados, deram em cor.
Mais palmas ao dançarino.
Parou. Assim nada o poderia salvar.
À suprema humilhação de estar ali, juntava-se o escárnio de andar a marrar em sombras. Não.
Era preciso ver calmamente. Que a sua raiva atingisse ao menos o alvo.
O espectro doirado lá estava sempre. Pequenino, com ar de troça, olhava-o como se olhasse um brinquedo inofensivo.
Silêncio.
Esperou. O homem ia desafiá-lo certamente outra vez.
Tal e qual. Inteiramente confiado, senhor de si, veio vindo, veio vindo, até lhe não poder sair do domínio dos chifres.
Agora!
De novo, porém, a nuvem vermelha apareceu. E de novo Miura gastou nela a explosão da sua dor.
Palmas, gritos.
Desesperado, tornou a escarvar o chão, agora com as patas e com os galhos. O homem!
Mas o inimigo não desistia. Talvez para exaltar a própria vaidade, aparentava dar~lhe mais oportunidades. Lá vinha todo empertigado, a apontar dois pequenos paus coloridos, e a gritar com há pouco:
- Eh! boi! Eh! boi!
Sem lhe dar tempo, com quanta alma pôde, lançou-se-lhe à figura, disposto a tudo. 
Não trouxesse ele o pano mágico, e veríamos!
Não trazia. E, por isso, quando se encontraram e o outro lhe pregou no cachaço, fundas, dolorosas, as duas farpas que erguia nas mãos, tinha-lhe o corno direito enterrado na fundura da barriga mole.
Gritos e relâmpagos escarlates de todos os lados.
Passada a bruma que se lhe fez nos olhos, relanceou a vista pela plateia. Então?!
Como não recebeu qualquer resposta, desceu solitário à consciência do seu martírio.
Lá levavam o moribundo em braços, e lá saltava na arena outro farsante doirado.
Esperou. Se vinha sem a capa enfeitiçada, sem o diabólico farrapo que o cegava e lhe perturbava o entendimento, morria.
Mas o outro estava escudado.
Apesar disso, avançou. Avançou e bateu, como sempre, em algodão.
Voltou à carga.
O corpo fino do toureiro, porém, fugia-lhe por artes infernais.
Protestos da assistência.
Avançou de novo. Os olhos já lhe doíam e a cabeça já lhe andava à roda.
Humilhado, com o sangue a ferver-lhe nas veias, escarvou a areia mais uma vez, urinou e roncou, num sofrimento sem limites.
Miura, joguete nas mãos dum Zé-Ninguém!
Num ímpeto, sem dar tempo ao inimigo, caiu sobre ele. Mas quê! Como um gamo, o miserável saltava a vedação.
Desesperado, espetou os chifres na tábua dura, em direção à barriga do fugitivo, que arquejava ainda do outro lado. Sangue e suor corriam-lhe pelo lombo abaixo.
Ouviu uma voz que o chamava. Quem seria?
Voltou-se. Mas era um novo palhaço, que trazia também a nuvem, agora pequena e triangular.
Mesmo assim, quase sem tino e a saber que era em vão que avançava, avançou.
Deu, como sempre na miragem enganadora.
Renovou a investida. Iludido, outra vez.
Parou. Mas não acabaria aquele martírio? Não haveria remédio para semelhante mortificação?
Num último esforço, avançou quatro vezes.
Nada. Apenas palmas ao palhaço.
Quando? Quando chegaria o fim de semelhante tormento?
Subitamente, o adversário estendeu-lhe diante dos olhos congestionados o brilho frio dum estoque.
Quê?! Pois poderia morrer ali, no próprio sítio da sua humilhação?! Os homens tinham dessas generosidades?!!
Calada, a lâmina oferecia-se inteira.
Calmamente, num domínio perfeito de si, Miura fitou-a bem.
Depois, numa arremetida que parecia ainda de luta e era submissão, entregou o pescoço vencido ao alívio daquele gume.

Miguel Torga - "Os Bichos" 

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...