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Em cada um de nós existe um poema .
Um por escrever ... um escrito que se quer procurado e se mantêm escondido na alma ... no coração.

Ser poeta ... não é escrever poemas.

É saber descobrir na poesia ... a parte que falta em si, a parte que falta ... nos outros .

Urbano Gonçalo




domingo, 17 de fevereiro de 2013

O inverno do nosso descontentamento


Lembro-me de, em criança, rastejar entre livros de capas brilhantes, ou, amargurado por aquela vida meio fantástica que carateriza a solidão, ter-me refugiado no sótão para me enrolar numa grande poltrona modelada à forma do meu corpo, numa luz azul de alfazema coada pelas janelas. Ali, podia estudar as grossas traves aplainadas que suportam o teto - ver como estavam reunidas por encaixes e cavilhas de
carvalho, um lugar acolhedor, maravilhoso, quando a chuva se abate sobre o telhado. E os livros inundados de luz, os livros de imagens que serviram a crianças há muito tempo mortas de velhice, coleções de romances baratos, pilhas de estampas mostrando manifestações do poder divino: incêndios, inundações, maremotos e terramotos. O reino dos Infernos visto por Gustave Doré, com legendas tiradas de poemas de Dante; Andersen e os seus contos lancinantes; os dois irmãos Grimm, com as suas violências terríficas e as suas crueldades; a majestosa morte de Artur, ilustrada por Aubrey Beardoley, essa criatura doente e perversa - estranha escolha para celebrizar o grande, o vil Malory.


Lembro-me de admirar a sabedoria de Andersen.
O rei diz os seus segredos a um poço e eles ficam em segurança.
Quem confia os segredos ou uma história deve contar com a pessoa que o escuta ou lê, pois uma história tem tantas versões como leitores. Cada um toma dela o que quer ou o que pode, talhando-a assim à sua própria medida. Alguns aceitam uma parte e rejeitam o resto, outros passam-na à peneira dos seus conceitos, outros ainda transformam-na a seu bel-prazer.
Uma história, para poder agradar, deve ter alguns pontos de contato com o leitor.
Só assim ele aceitará a parte ... maravilhosa. 

Excerto do romance de John Steinbeck -
"O inverno do nosso descontentamento"
Prémio Nobel - 1962.

1 comentário:

Regina Rozenbaum disse...

Bem assim como ele diz. Por acaso Urbano, vc já leu Psicanálise dos contos de fadas? Acho que vc vai gostar e muito.
Beijuuss

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